quinta-feira, 16 de agosto de 2018

Por que os tilelês me adoram, apesar de tudo


Quando eu lancei "A Escolha de Davi", vieram as más línguas (línguas de membros da tribo coxinha da faculdade) fazendo uma previsão: a tribo tilelê odiaria a minha história, soltaria notas de repúdio e boicotaria. Tudo porque a história tem passagens que satirizam o feminismo radical e outras pautas políticas associadas aos tilelês.

Eu disse a essas más línguas que estavam enganadas. Fiz a previsão contrária: garanti que a história faria várias vezes mais sucesso entre os tilelês do que entre as pessoas de tendência oposta. E foi exatamente o que aconteceu.

Como foi que eu acertei tão na mosca? Porque eu conheço profundamente os tilelês, e eu sei que as pautas políticas de esquerda não são a essência do que eles são.

Como eu já disse e como todo aluno da Faculdade de Direito sabe, o lugar é cheio de pichações. Mas você acha que a maioria delas tem cunho político? Engana-se. Claro, nós temos nossa cota de pichações dizendo coisas como "Machistas não passarão" ou "Menos Marx, mais Mises" (sim, porque nós agora também temos pichadores liberais, como parte da transformação política radical pela qual o país vem passando desde 2013). Mas o que pouca gente percebe é que talvez a maioria das pichações por ali não tem temas políticos, e sim filosóficos ou poéticos. Frases provocadoras, trechos de músicas ou poemas, ou uma seta apontando para uma janela na escadaria que dá vista para a Serra do Curral e conclamando o leitor a fazer uma pausa no seu dia, respirar e apreciar a vista.

Os tilelês têm maior tendência não só a pichar frases nas paredes, mas também a ter hobbies artísticos como fotografia ou literatura. São pessoas muito interessantes. Quando você fica do lado de uma rodinha tilelê, vai perceber que a conversa deles tem uma melodia diferente. Eles falam de temas aleatórios, pulam de um assunto para o outro, usam tons de voz teatrais, apontam pequenos aspectos das coisas que ninguém costuma reparar, falam dos estados emocionais inusitados que eles sentem. É uma conversa que seria tachada de bizarra por uma pessoa conservadora, que papeia temas mais usuais com outros "boys padrãozinho" de camisa polo e suéter amarrado no pescoço. “Padrãozinho” é um termo depreciativo cunhado pelos tilelês para se referir a essas pessoas, porque nada para eles é pior do que o padrão, o habitual, o ordinário. Eles estão sempre atrás do novo, do insólito, do não padrão. Inclusive na política, onde eles se posicionam à esquerda. A mão esquerda é a mão não padrão, alternativa, sinistra. Na Assembleia dos Estados Gerais francesa, os parlamentares que se sentavam do lado esquerdo do rei, do lado da sua mão não preferencial, eram os que queriam chutar a tradição. Tanto naquela Assembleia quanto em qualquer mesa ou reunião em qualquer momento da história, quem se sentava do lado direito do chefe era quem era de sua confiança, seus braços-direitos, as pessoas do seu time, comprometidas com a manutenção da ordem e do jeito que as coisas sempre foram.

Experimentos científicos feitos ao longo de várias décadas mostraram conclusivamente que as pessoas de esquerda são estatisticamente marcadas por um traço de personalidade chamado abertura à experiência. São pessoas que são atraídas pela busca de sensações novas, o que as inclina para a filosofia, para as problematizações do jeito que as coisas são, para a esquerda na política, para as artes... e para as histórias em quadrinhos. É por isso que a maioria dos quadrinistas é de esquerda, e é por isso que os tilelês são de longe os maiores fãs de "A Escolha de Davi".

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