quinta-feira, 16 de agosto de 2018

Quebrando o tabu

A Faculdade de Direito da UFMG fez opção por um design de interiores estilo underground. Graffiti e pichações abundam. Todos os andares da escada têm pichos com suas respectivas réplicas e tréplicas, o que distrai a gente ao descer, fazendo a gente se sentir numa sala de bate-papo do UOL (ainda existe isso?).
Estamos em 2018 d.C. Toda a faculdade foi ocupada pelas pichações... Toda? Não! O primeiro e o segundo andares são povoados por irredutíveis paredes brancas que resistem ao avanço. Durante todos os anos que eu passei no prédio, nunca vi um só rabisco nessas paredes. Elas sempre se mantiveram imaculadamente brancas, como num pântano "um cisne/ que o cruza, sem que a alvura tisne".
Coincidência ou não, são as paredes dos lugares em que são realizados os eventos para o público externo. Circulam por ali elegantes advogados, magistrados, ministros e outros juristas renomados, vindo com seus melhores ternos e Rolexes à mais vetusta e prestigiosa faculdade de direito para participar de solenidades e networkear com outros juristas renomados que vieram com seus melhores ternos e Rolexes à mais vetusta e prestigiosa faculdade de direito.
Talvez os pichadores tenham considerado que o design de interiores underground não era o melhor look para esse tipo de evento. E aí as paredes do lugar viraram tabus. (Tabu é uma palavra polinésia que quer dizer sagrado, que vem de uma palavra antiga que queria dizer intocável.)
Mas a Faculdade de Direito não é só dos juristas renomados de Rolex. No andar logo acima do dos homens das leis, fica um território sem lei, chamado de "Território Livre". A origem do nome é o fato de ser uma zona livre da jurisdição da Polícia Militar, o que historicamente serviu para organizar resistência à ditadura dos militares, e hoje é útil para usufruir de substâncias que a lei e a família tradicional reprimem. Porque no território livre não há repressão nem limites. A não ser um, estampado num cartaz (curiosamente colado em anexo à placa do banheiro): "A única regra é o consentimento."
Nesse ambiente "transgredir", "desconstruir" e "quebrar um tabu" são palavras de conotação fortemente positiva. Quebrar regras de forma ostensiva é atacar a legitimidade dessas regras. Para quem quer um mundo em que "é proibido proibir", transgredir é um ato de virtude.
E assim se entende o espírito de quem declaradamente quebrou o tabu e pichou a parede do andar dos eventos públicos. Se quisesse atacar de forma ainda mais contundente o sistema de regras e proibições que o reprime, se quisesse pensar em qual ato mandaria a mensagem mais potente, esse ato seria certamente derrubar o pedestal do Afonso Pena. Porque, fazendo analogia com os povos animistas, o Afonso Pena é o nosso totem, o tabu dos tabus.
Mas a pessoa que escolhe essa atitude é vista como virtuosa pelos pares nem tanto pelo mérito do sistema que ela está questionando, mas principalmente porque ela é vista como corajosa em fazer essa escolha. Corajosa porque o sistema é muito maior do que você. O sistema é um Golias e você escolheu ser Davi.
Essa é a Escolha de Davi.


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